sábado. 02.12.2023

OPINIÃO | Schubert – Drei Klavierstucke, Maria João Pires

Franz Peter Schubert foi um compositor austríaco do fim do período clássico e início do período romântico, que viveu entre 1797 e 1828.

O ciclo “Drei Klavierstücke”, D946, foi escrito em Maio de 1828, meio ano antes da morte de Schubert. Este ciclo, como o próprio nome indica, é constituído por três peças para piano, a solo, todas contrastantes, apesar de extremamente relacionadas. Uma prova da sua forte relação são as respetivas armações de clave: a primeira peça em Mi b menor, a segunda em Mi Maior e a terceira em Dó Maior.

 

Maria João Alexandre Barbosa Pires é uma pianista portuguesa, considerada uma das melhores pianistas do mundo, sobretudo pelas suas excelentes interpretações de obras dos períodos clássico e romântico.

A sua interpretação deste ciclo é sublime, sendo, de todas as existentes, a minha preferida. Outros grandes pianistas, como Sokolov, Brendel e Andràs Schiff, entre outros, interpretaram este mesmo ciclo.

 

Observando a primeira peça, a execução é excelente. O primeiro tema, em piano, é delicado. Na sua repetição imediata, o forte é contrastante e, ajudada pela melodia uma oitava acima, traz ao ouvinte uma sensação nova, fazendo desta abertura um excelente começo do ciclo. Na 1 repetição, a pianista executa esta secção como ninguém. A sua utilização do pedal difere de execuções (como a do Sir András Schiff, onde a diferença é muito audível) e cria um ambiente mais denso e propício à marca de ffz (acentuação forte na nota), realçando o crescendo. Como se pode observar na respetiva partitura', existe uma modulação de Mi ú menor para Mi ú Maior, no compasso 57, seguida de um compasso de espera. Maria João Pires respira e, após o compasso de espera, retoma o tema inicial, agora em modo maior, mas com uma intenção muito diferente, que deixa o ouvinte extremamente satisfeito.

 

Ao aproximar-se da barra de repetição, para voltar ao 2º tema, a pianista deixa a harmonia no ar, de modo a criar um ambiente suspensivo. Quando, após a repetição, entra no Andante, a melodia já foi preparada e segue uma linda secção cantabile. É de realçar a última passagem antes da repetição, que virá preparar a retoma à tonalidade inicial, executado com um alto grau de intensidade que nos deixa surpresos. Na secção Andantino, é impressionante a clareza que a pianista trespassa, por exemplo, nas semicolcheias, ligadas duas a duas. A retoma final da secção repetida não desaponta já que a pianista é capaz de não deixar que repetições constantes se tornem cansativas e aborrecidas.

 

A segunda peça remonta ao lied, pelo que Schubert é extremamente reconhecido. É uma peça muito melódica, com um acompanhamento horizontal, sem grande massa sonora. Maria João Pires é capaz de chegar a um perfeito equilíbrio entre melodia e acompanhamento, tendo a melodia a direção perfeita. Na segunda secção, com a repetição, a pianista encontra um contraste ótimo entre pp e ffz e fz. A secção é movimentada e nunca perde o interesse.

A preparação para a modulação à tonalidade inicial em diminuendo é perfeitamente equilibrada e os blocos são interessantes. A última secção está impressionantemente bem escrita. De um modo característico de Schubert, há uma forte alternância entre a tonalidade maior e a mesma tonalidade, no modo menos. A forma como Maria João Pires nos leva a imaginar diferentes cores, graças à diferente sonoridade que a pianista transmite na sua execução. É também de destacar o cuidado que a pianista tem com as últimas notas, deixando de modo suave o som desaparecer.

 

A terceira peça tem um carácter heroico e vivo. Nesta última peça, mais uma vez, a pianista não desilude. Entre as indicações de piano e forte há sempre um grande contraste, tal como a obra deste compositor exige. Os acentos são todos claros, servindo, sempre, a vontade do compositor. Reparando nos fins de frases, há uma clara intensificação da dissonância e uma recolha sonora no momento da resolução para a consonância.

 

As semicolcheias presentes na obra são claras, expondo virtuosismo da pianista. O contraste entre a passagem de semicolcheias e a passagem mais lenta antecedente e precedente é delicado, sem deixar de expressar os diferentes caracteres. A secção após modulação é preparada com muito cuidado e tocada lindamente. É digna de louvor a forma exímia como a pianista introduz os acidentes fora da tonalidade na peça, sobretudo na reta final da obra. A Coda é sensacional, já na escrita. A execução é excelente, cheia de emoção, com perfeita utilização do pedal, acentuando ainda mais o virtuosismo de Maria João Pires. O fim sincopado remonta ao princípio, agora ainda mais intenso. E, em crescendo, a pianista termina da melhor forma possível este belo ciclo.

 

Maria João Pires é uma pianista de referência, sobretudo nos períodos clássico e romântico, reconhecida pelas fabulosas execuções das obras de grandes compositores deste período. O seu gosto por Schubert é notável e a sua procura pela perfeição é constante e audível. É, portanto, uma das melhores gravações (senão a melhor!) desta obra fenomenal. Sugiro vivamente a audição desta e outras gravações de Maria João Pires, sobretudo da editora Deutsche Grammophon.

Recensão crítica de António Cardoso, trabalho elaborado para a disciplina de Projetos Coletivos e Improvisação, com orientação da Prof. Ângela da Ponte. Turma do 3º A, Curso Profissional de Instrumentista Cordas & Teclas e Sopros e Percussão da Academia de Artes de Chaves.

OPINIÃO | Schubert – Drei Klavierstucke, Maria João Pires