Esta quinzena foi pródiga em coisas diferentes daquelas que nos marcam mas que por uma questão de pudor guardamos no nosso íntimo mais profundo e ficam refugiadas no limbo da essência de cada um de nós talvez por isso surja como tema um assunto que por mais que dê tractos de pulé aos miolos não encaixam e por vezes me levam a generalizações que como o leitor deve saber muito bem são sempre contingentes quiçá injustas por isso desde já o previno que aquilo sobre o que vou dissertar são apenas conjecturas que a minha capacidade de encaixe não tolera e consequentemente extravasa a mais elementar lógica do comum dos mortais eu explico de há alguns anos a esta parte o nosso povo tem vindo a envelhecer porque a precaridade e periclitância profissional dos mais novos a exigência social de bem-estar materialista e outras frescuras levam a que nasçam cada vez menos crianças e sempre que um rebento é gerado e deitado ao mundo a miríade de leis para o transporte (têm de ter selo de certificação no carro) do rebento a catrefada de obrigações e deveres acumulam-se de tal forma que se eu fosse mais jovem pensava meia dúzia de vezes antes de querer deitar ao mundo um novo cidadão que me ajudasse a pagar a minha futura reforma depois os telejornais abrem com o facto de as obstetrícias dos hospitais nacionais estarem a fechar porque os médicos obstetras se fartaram de trazer bebés ao mundo ou porque pretendem gozar férias enquanto o orçamento dos hotéis topo de gama são praticáveis ou porque preferem ser contratados como tarefeiros uma vez que com meia dúzia de dias de trabalho ganham mais do que um médico do quadro experiente com mais de quinze anos de profissão e é aí que aquele meu lado mais conflituoso característica herdada de meu pai segundo a minha mãe sobe à tona e me ponho a conjecturar se os professores por exemplo decidissem tirar férias a meio do segunde período ou no inverno para irem até ao Caribe pois os preços das viagens são mais convidativos ou então se os jovens advogados que estagiam em grandes gabinetes de advogados frequentemente sem ganharem um tusto e têm de fazer um exame de seis horas para poderem pertencer à ordem dos advogados ou os engenheiros que têm de pagar do seu bolso as especializações ou actualizações pois não há laboratórios farmacêuticos que a troco de meia dúzia pronto de uma dúzia de horas de formação conferências e partilha de experiências vêm de lá recuperados e depois vendem esses medicamentos aos seus clientes que de certa forma servem de cobaias (talvez esteja a exagerar) agora imagine o leitor que os professores pudessem gozar férias quando quisessem e não quando podem fazê-lo geralmente em Agosto o mês alto do verão pudessem dizer que não lhes apetece ficar a mais de trezentos quilómetros de casa longe da família sem correrem o risco de perder o vínculo ou então que um advogado não passasse largos anos a trabalhar como um condenado até ser reconhecido e adquirir estatuto é por isso que me questiono se aos médicos não deveriam ser impostos pelo menos durante os anos que correspondem à sua formação a que se impõe noutras profissões ou seja dez a quinze anos de exclusividade no estado para dessa forma pagarem o esforço que o estado faz para os formar é só uma sugestão porque aos outros aos professores e aos advogados é-lhes exigido e ninguém pestaneja e por este andar Portugal será dentro de pouco tempo um país de velhos alguns lúcidos e acomodados outros decrépitos e felizes mas as crianças vão ser cada vez menos e um país sem continuadores vai estiolar-se irreversivelmente acreditem
Manuela Rainho é moçambicana, septalescente assumida e reformada do ensino secundário. Desde muito nova que gosta de escrever. Foi sobretudo em Chaves, onde reside há cerca de 37 anos, que se iniciou como cronista e articulista de opinião. Este tipo de crónicas, que agora começa, pretende ser uma homenagem a grandes escritores que admira profundamente: José Saramago e Luís Sttau Monteiro.