Novo livro pronto. O meu terceiro livro. Seguiu na sexta-feira para a gráfica. Agora é tempo para que a luz irrompa.
Escrever é o acto mais solitário do mundo. Poucos o sabem. Em quietude, um caminho que se percorre em todas as suas latitudes. O tempo abstrai-se, os segundos martirizam-se. O silêncio é sempre o mesmo quando horas a fio martelas os caracteres do teclado perturbando a noite. A ribeira ao fundo, que sempre me acompanha, segue indiferente, ainda que eu tente afinar as sístoles com o pulsar da sua água rente à margem. Regressas à página. Só. Às voltas com a tua cabeça até que tudo seja mudo e o silêncio lume.
Entre viagens que vais tecendo, preenches o mundo com terras e estradas. Depois árvores, desejos e casas (que tantas vezes desmoronam mas que voltas a erguer). Sem que te apercebas, vagueias por ali à procura da última brisa, de botões velhos na gaveta da mesinha da sala, da última silhueta, que sustendo a respiração, teima em esconder o rosto. Tantas vezes à procura de ti.
Comecei a escrever desde que me lembro. Pequenas frases na primária que desfolharam em longas redações na quarta classe. Rábulas e contos no preparatório. No secundário escrevia poesia nos bancos de “comboio” do café Carlton entre horas vazias no horário.
Sei agora que deveria ter guardado todos esses traços. Esses e tantos outros que a alma impaciente, cobarde, rasga depois. Não o fiz.
Há, sei que há, algumas letras que traçava à queima-roupa nos cadernos dos colegas de circunstância. E nessas amplas sebentas, de um tempo que fisicamente apenas habita nas avenidas da minha memória, deixei parte de mim.
Nunca tive necessidade de escrever. Faço-o seguindo o apelo da alma. Simplesmente.
Na semana passada alguém que não conhecia abordou-me na cidade.
Entre uma timidez demasiado crua, pronunciada, de parte a parte, seguiu-se o diálogo possível. Perguntou-me para quando o novo livro. Disse-me depois que há muito me segue nas redes sociais e que aprecia a minha poesia. Agradeci-lhe.
Não sabia mais que dizer. Não sei nunca o que dizer para afastar a timidez do elogio que me tecem.
O novo livro é duro. De prosa livre e cerzido à flor da pele. Com tinta da alma. Sosseguei por uns tempos os versos. A poesia continua a ser tratada como um parente pobre da literatura. E quem a escreve, quem se predispõe a expor o âmago, oferece o segredo de Sésamo à trivialidade do quotidiano. Precisamos, cada vez mais, de oferecer segundos à pressa que traja a vida. Parar, respirar. Oferecer alimento à fome dos sentidos! Mesmo quando as quadras rasgam a realidade com o frio da verdade! Nos retiram da cegueira.
Talvez tu, quando me abordaste, ficasses com má impressão de mim. Não sou frio.
Apenas meu jeito simples de abraçar o mundo me impede de triunfalismos ou falsas vaidades.
Continuo fascinado no alto da rocha a ouvir no eco o meu riso de menino. Nesse absoluto e fascinante silêncio que só a passada segura nos oferta. Nos protege! Só estou só quando escrevo.
Assim a ti, que outro dia te acercaste de mim, ofereço estas letras. Talvez da próxima sirvam para atiçar as brasas à conversa!
E não! Este não é o meu terceiro livro! Escrevi dezenas nessas sebentas de espanto!
Onde todas as frases incendeiam as noites para que sempre me encontre!