Na tua boca o Verão, já despido, adormece. Sinto-o a cada pulsar das folhas que bailam sinceras, ansiando terra onde se deitem. Tu, Outono, sempre me anuncias a quietude.
Verão quente, rápido. Pele seca e voz aflita. Gente em brasa. Música aos berros como se vivêssemos num tempo de colcheias. Perdi-me por aí. Mais sol em ferida. Mais calor que me secava as palavras. Em fogo vivo se esfumaram os dias.
Pelas ruas, repletas de vozes e olhares, o fim da pandemia anunciou velhos novos dias. Inaugurou o costume. O resto... guardo para mim.
Li algumas coisas neste dias em que o Demo fez termas na província. Dois livros de poesia que pairavam, em súplica, na estante das leituras adiadas. Dei-lhes fim. Um outro, de letra espessa, que prorroguei a meio. A alma, gasta pelos odores estivais e pelo ruído, pediu-me horizontes.
Uns dias por terras Asturianas. Uma viagem decidida pela necessidade de mar. Em seu encalço, peregrino, encontrei montanhas do tamanho da minha ânsia. Espinhas milenares a medir meças ao meu ser. A montanha, intransponível, que me habita. Admirei-as em contemplação. Senti nelas o secreto pulsar da vida. A poção dos dias. Telas, perfeitas, de alquimia. Onde o dossel de granito convidava ao seu íntimo. Revelando nele o odor a água salgada, nas ondas dos lençóis, tocando-me com a ponta dos dedos.
Espanha adentro, semeando por mim novas paisagens para lá do contrabando que meus olhos de menino recordavam. Dos tempos das fronteiras e dos caramelos, do arroz e do azeite escondidos nos secretos alforges das portas e no pneu escondido na bagageira.
Escrevo: A juventude que ainda trajo também já despede do Verão.
Descobri a “Sidra”. E o “salero” que inebria os corpos e liberta as horas.
A duas portas do albergue onde pousamos, havia rumor na rua. Gente que se divertia, almas entregues à noite, à festa, sem remorsos nem pudor. Rendi-me.
Embarcamos pela noite afora, ao som de músicas anglo-saxónicas, que me recordaram a Primavera que em tempos me agasalhou e ainda sei de cor. Esqueci o fado! Praça cheia. Mais gente rendida ao som e à companhia, indiferente ao tempo que se escreve devagar e ao recato. Aplaudindo os músicos a cada acorde vivido, vibrando a cada grito de liberdade e cumplicidade, como conchas repletas de desejos oferecidas pelas marés no fim de tarde (Bravo Guateque Experience!).
Pela madrugada avistava faróis que estendiam os feixes pelo firmamento, anunciando porto de abrigo e rota segura. Ouvia o oceano a cada raiar de dia. O segredo de seus murmúrios. Repletos. Indomáveis. Preenchi todos os vazios.
Não sabia o que dizer neste regresso. Perco-me a fiar demoras nesta página angustiada. Não trazia planos nem promessas. Não sabia se, a cada vaga dos caracteres, ainda havia em mim inspiração, vontade, ou o que seja.
Por vezes, longe daqui, olhando o azul do mar, sinto nas musas que me habitam a sedução da partida. Sempre temo que embarquem sem nenhum ruído. Me deixem órfão.
Então apercebo-me que o Outono já irrompeu suave. A lembrar o Verão que fui e já se despede. Prometendo-me o Inverno que tanto amo. Revelando a poesia que se veste e se retoca ao espelho. A falésia que revela a imensidão das vagas da minha alma.
A quietude.