Começar este “lume”, ainda que não pareça, é sempre o mais difícil. Acendo mil fósforos repletos de ideias. Mas elas, depois, vão-se consumindo até ao estertor da chama. Deixam-me só. Frio.
Hoje a “passarola” está lá fora à minha espera. Tornando tão mais fácil esta viagem.
Cumpre-se a data do Centenário do nascimento de Saramago quando ateio as achas nesta lareira. Muitos me abordaram para saber porque não lhe prestei tributo nos passeios do costume! O mano Rui também fez anos! Celebrei a vida em vida e deixei o retrato de alguém, cuja escrita me envolve e me faz acompanhar há muitos anos, para este pedaço. O meu tributo.
Na minha página do Facebook, anos a fio, andei a celebrar o escritor e o homem. Por lá escrevi:
Uma das maiores ferramentas que os pais podem dar aos filhos é incutir-lhes o hábito da leitura! Minha mãe fê-lo! Estou-lhe grata – também – por isso!
Ler, tirou-me das redondezas da província, atiçou-me o espírito, incutiu-me ideias... Mais que o poder de fazer viajar, a leitura tem o condão de nos tornar humanos. Ler é, portanto, perigoso!
Em mil novecentos e noventa e oito José Saramago ganhou o prémio Nobel da literatura.
Depois desse Nobel global, entenda-se: O Nobel em que todos orgulhosamente vestimos o fraque e o vestido de gala para o receber – como se fora nosso - o país voltou à cegueira torpe, egoísta e cínica. Destapando a pala apenas para as exéquias fúnebres. Soltando, a toque de violoncelo, uma dúbia lágrima de vários e díspares sentimentos! Nesse dia...alguém morreu! E volta o conforto do desconcerto. O amargo dissabor com que perceberam que as Nobéis letras, nada mais eram que uma afirmação de alguém de origem humilde, serralheiro, não crente e “camarada”!
Pior travo emanavam quando sopradas pelos ventos de Lazarote! Um desertor!
Ele, sempre pondo o dedo na ferida global, acirrava a quietude da paz imposta! Como se nada tivera a perder! Como poderá alguém viver assim?
Cumpriu-se o centenário do nascimento de José Saramago. O mundo, esse, permanece na mais lúcida e transversal cegueira. Uma escuridão à flor da pele cujos olhos escondemos para não ver a brutalidade animalesca deste conceito de tempo e do homem que moldamos. Que cobardemente aceitamos.
O homem não é bom, gritam. Mas isso recuso! O homem é o homem. Um pastor e viajante de si mesmo. Conduz nele a coragem com que desperta para a luz. Como se liberta das sombras... ou nelas permanece. Afinal: A massa com que somos feitos!
Se tivesse tempo, relembrava por minhas letras o “Memorial" os “Ensaios” ou ainda “O ano da morte de Ricardo Reis”. Falaria, decerto, (como um dia prometo falar) do meu amigo Sr. Rodrigues que me deu a conhecer “A jangada de pedra” e me explicou todas as metáforas. Tinha eu quinze ou dezasseis anos. Hoje, no alvor dos meus cinquenta, aguarda-me o céu lá fora e todas as memórias desses passos. Prefiro!
Embarco nesse pássaro mecânico pela porta da janela, para deixar apenas que a espuma da noite me sopre páginas. À boleia das coisas belas e silenciosas. A desfolhar novelos do mais puro segredo. Sem pressa de regressar a este planeta sem bússola, onde todos se escondem.
Neste artifício mecânico, alado, não procuro senão o sítio onde me demore nesta claridade que sempre soube.
Persisto, deslumbrado, neste voo. Neste Norte. Sinto a brisa morna, como manta de lã, a cobrir-me o rosto. Os olhos, fascinados, neste lusco-fusco cerram-se por fim. O recomeço da viagem.
Trago-vos esperança quando voltar!
Parabéns José!