sexta-feira. 01.12.2023

OPINIÃO | As palavras tangíveis: Aroma

Chegaste como um céu carregado de aves, anunciando liberdade nas colinas, querido Abril. Tão ansiado que os cravos floriram nas lapelas, nos canos das espingardas e nos ombros. Era cedo. Mal despontava o dia. Mas nas árvores dos campos já os frutos amadureciam. Colhiam-se com os olhos.

Já hoje me perguntei como pudeste, depois, partir tão depressa. Como um barco apressado, de velas fartas, encorpadas pelo vento, a rasgar desespero pelas ondas. Tenho a boca seca de tanto perguntar.

Nesta tarde, em que por ti pergunto, uma criança pousa os olhos no horizonte onde as gaivotas planam distantes. Uma mulher de braços tombados, um homem que dorme sem sono, jovens que se apressam em partir, padecem à espera. Apenas chega o fim de dia. Vazio. Sem anúncio nem senhas.

Dois velhos discutem sobre o amontoado das cartas e das promessas que fizeram à esperança. Hão depois deitar-se nelas. Cansados.

Volto à pergunta. Porque partiste quando em teu aroma brotava o perfume da ideia: um homem é um homem. Sem jugos para unir esforços e semear as searas de um país. Livre e desperto. Cantando na faina!

Lábios secos, olho em redor e nada mais vejo que gente que abdicou de fazer heróis e se tornou escravo do silêncio. Estátuas anónimas trocando olhares comovidos nestas praças floridas dedicadas à memória.

Invade-me o desespero, a sensação de um novo cheiro a cravos que nos devolva aos lugares onde a vida, fazendo-nos iguais, nos ensine a distinguir o sono do sonho.

Volto a mim. Sem atalhos. Por meus passos, vejo do outro lado da avenida o rio serpenteando em acordes.

Leva na sinfonia as últimas luzes do dia , a resposta à pergunta e a réstia da minha lucidez.

Agradeço-lhe por isso.

Natural de Vidago. Casado, pai de dois filhos desempenha profissionalmente funções de gestor de projetos num Atelier de Arquitetura. É membro da ALTM – Academia de Letras de Trás-os-Montes e da comissão instaladora da Academia Vidaguense. Publicou duas obras poéticas: Seara Mondada (2016, ed. Chiado Editora) e Seara Dourada (2018, ed. Chiado Books). Concluiu a obra Seara Despida com edição prevista para 2023. Em coautoria editou, em prosa, a obra: A Justa – 1º Centenário da morte de Eugénia Campilho Montalvão (2020, ed. Lisbon Internacional Press) e Bonifácio da Silva Alves Teixeira – O benemérito de Vidago (2021, ed. Lisbon Internacional Press). Também se irá iniciar, como autor, no universo da prosa com a edição o do diário No farol de meus dias, em fase final de conclusão e com edição prevista para 2022. A convite da editora e do coordenador do projeto, a sua poesia integrou a Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea Entre o sono e o sonho volume X (2018, ed. Chiado Books), volume XI (2019, ed. Chiado Books), volume XII (2020, ed. Chiado Books) e volume XIII (2021, ed. Chiado Books). Viu editado, em várias publicações, a sua obra em prosa e poesia, das quais destaca:

Em poesia: Liberdade-Antologia da Poesia Livre - Vol. I (2019, ed. Chiado Books ) e volume II (2021, ed. Chiado Books ); Tributo - Homenagem a autores marcantes da literatura universal - Vol. 1 (2019, ed. Chiado Books); Quarentena – memórias de um país confinado (2020, ed. Chiado Books)

Em prosa: Natal em Palavras - Coletânea de Contos de Natal (2018 e 2019, ed. Chiado Books); SMS – Coletânea de Micro narrativas Ficcionais - Volume I (2019, Ed. Chiado Books); Três quartos de um amor - Coletânea de cartas de amor –Volume III - (2020, ed. Chiado Books); Vozes Transmontanas - Coletânea 2020 da ALTM (2020, Edição ALTM). O poema da sua autoria “Beijo” integrou o tema “Timeless” do álbum “Melodic anthology” (2020) do músico Hélder Almeida.

OPINIÃO | As palavras tangíveis: Aroma