sexta-feira. 08.12.2023

OPINIÃO | As palavras tangíveis: Runas

Esperança. É com os rios e afluentes desta palavra, que principio este novo ciclo de letras na génese deste novo (e ansiado...) ano de dois mil e vinte e três.

Esperança! Volto a repetir para que não encalhe este barco nas areias brancas do esquecimento. Este barco que chamo de esperança e o desejo que deposito nele para que nos leve seguros pelas águas dos dias! E aponto antes de marear:

Esperança em que volte a humanidade a este mundo, que não me parece meu, onde os dias parecem quebrar-se como aves à deriva num céu indiferente. Esperança em que termine esta guerra hedionda que nos cobre de sangue as mãos e o grito! Esperança em mais justiça e igualdade! Esperança em mais respeito do homem pelo homem! Esperança que cubra esta nudez global, esta carne, que nos envergonha, repleta de mentiras e desejos enterrados pela letargia. Onde tanto mentimos para esconder a coragem ou, tantas vezes, o desespero. Esperança!

O tempo que tecemos, desenfreadamente perdido pelas avenidas e pelas horas, como dilúvio de um rio que derrocou as margens e perdeu o Norte, ensina o quanto precisamos de novo de beber desta palavra. Esperança! Que ela seja alquimia! Medicina que cure o mundo! A primeira madrugada do novo dia! Esperança!

Chove perdidamente lá fora. Reparo que escrevo pela primeira vez: ano de dois mil e vinte e três. Escrevia mil novecentos e setenta e sete quando minha mãe me ensinou a “gatafunhar” as primeiras letras nessa longínqua Primavera de meus dias. Quando cerro, com ternura, as pálpebras, a minha vida parece-me que começa por ali.

Esperança era uma palavra que não sabia . Nesses lugares sei que não me fazia falta. Por ali o meu mundo era do tamanho da palma da mão de minha mãe - que abraçava com candura a minha - e os dias eram perfeitos.Vidago crescia sob a colina que meus olhos avistam no topo de uma árvore que adornava o jardim e tudo mais é o infinito azul dum céu de Junho polvilhado de fascínio e nuvens de faz-de-conta.

Essa noção regressa comigo ao branco desta página que perfumo de Esperança!

Esperança é a palavra que a vida nos ensina quando permanecemos com olhos de menino nas sístoles do coração! A pureza que ensina o mundo!

Esperança são os meus votos para este novo ano que nasce. A esperança que sei que existe e hoje vos a devolvo noutra coisa com o mesmo nome: Vontade!

É disto que falo nestas páginas sem que se me cale a voz. Vontade para sermos melhores! Vontade para sermos a esperança que o mundo nos pede. Vontade para depois o mudar!

Agora, subitamente, sinto que a melodia das chuvas que tombam desta noite primeira, secam para que eu embarque à quimera de outros dias. Mas é tarde. Sei que é tarde!

Aprendi tantos novos lugares. Aprendi que o tempo nunca nos devolve inteiros. Sei que hoje, se voltar à Primavera dos gatafunhos irei sair de lá com a infância atada por um cordel. Vidago mudou. A palma da minha mão abarca hoje, inteira, a mão de minha mãe e a árvore onde eu trepava para ver o mundo há muito secou de tanta espera. Eu cresci!

Se ainda ato com esperança - que entretanto aprendi - o cordel desses dias que nunca deixei partir, é para que não esqueça quem sou!

Ainda que por vezes não saiba se sou um homem crescido em que a primavera deixou o coração de menino... ou um menino onde o Outono entrou.

Feliz ano de dois mil e vinte e três. Sejamos a vontade que o mundo precisa!

Paulo Santos é natural de Vidago. Casado, pai de dois filhos desempenha profissionalmente funções de gestor de projetos num Atelier de Arquitetura. É membro da ALTM – Academia de Letras de Trás-os-Montes e da comissão instaladora da Academia Vidaguense. Publicou duas obras poéticas: Seara Mondada (2016, ed. Chiado Editora) e Seara Dourada (2018, ed. Chiado Books). Concluiu a obra Seara Despida com edição prevista para 2023. Em coautoria editou, em prosa, a obra: A Justa – 1º Centenário da morte de Eugénia Campilho Montalvão (2020, ed. Lisbon Internacional Press) e Bonifácio da Silva Alves Teixeira – O benemérito de Vidago (2021, ed. Lisbon Internacional Press). Também se irá iniciar, como autor, no universo da prosa com a edição o do diário No farol de meus dias, em fase final de conclusão e com edição prevista para 2022. A convite da editora e do coordenador do projeto, a sua poesia integrou a Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea Entre o sono e o sonho volume X (2018, ed. Chiado Books), volume XI (2019, ed. Chiado Books), volume XII (2020, ed. Chiado Books) e volume XIII (2021, ed. Chiado Books). Viu editado, em várias publicações, a sua obra em prosa e poesia, das quais destaca: 
Em poesia: Liberdade-Antologia da Poesia Livre - Vol. I (2019, ed. Chiado Books ) e volume II (2021, ed. Chiado Books ); Tributo - Homenagem a autores marcantes da literatura universal - Vol. 1 (2019, ed. Chiado Books); Quarentena – memórias de um país confinado (2020, ed. Chiado Books). Em prosa: Natal em Palavras - Coletânea de Contos de Natal (2018 e 2019, ed. Chiado Books); SMS – Coletânea de Micro narrativas Ficcionais - Volume I (2019, Ed. Chiado Books); Três quartos de um amor - Coletânea de cartas de amor –Volume III - (2020, ed. Chiado Books); Vozes Transmontanas - Coletânea 2020 da ALTM (2020, Edição ALTM). O poema da sua autoria “Beijo” integrou o tema “Timeless” do álbum “Melodic anthology” (2020) do músico Hélder Almeida.

OPINIÃO | As palavras tangíveis: Runas